Previsão da consolidação de casos em regiões mais precárias, nas próximas semanas, preocupa especialistas e coloca governo em alerta(foto: AFP / Mauro PIMENTEL)
O país inicia, hoje, o mês que carrega o maior desafio contemporâneo da saúde pública brasileira. É em abril que o Ministério da Saúde estima colocar em prática parte das preparações de enfrentamento ao novo coronavírus. Em um cenário de transmissão sustentada cada vez mais consolidado, os vazios assistenciais e a impossibilidade de isolamentos sociais em comunidades mais vulneráveis têm sido ponto preocupante e motivo de discussão do Gabinete de Crise contra a Covid-19.
Funcionária terceirizada da limpeza em uma Unidade de Pronto-Atendimento de Ceilândia, Sueli Fontenele, de 42 anos, precisa sair de casa, no Entorno do DF, e pegar transporte público todos os dias para ir trabalhar. Com os dois filhos fora da escola, viu-se obrigada a fazer mais uma despesa para pagar alguém para cuidar das crianças, já que ela e o marido, também terceirizado, não podem parar. “Minha casa é financiada, o ganho é pouco e, mesmo me arriscando todos os dias, agradeço por ainda ter meu emprego e comida dentro de casa. Mas o receio é muito grande”, desabafou.
Por trabalhar em um ambiente hospitalar, Sueli conhece as regras de higienização e faz de tudo para manter o vírus da porta de casa para fora. Sua preocupação, no entanto, destoa da realidade onde vive. “Aqui, as pessoas não têm acesso à infraestrutura, saneamento básico de qualidade. Muito menos à informação”. Ela acredita que, a partir do momento em que o vírus chegar à localidade, será difícil contê-lo. “As pessoas não estão cumprindo as medidas, nem têm assistência médica para toda essa gente. O jeito é ter fé porque aqui não tem isolamento social, tem, sim, esquecimento social”.
A explosão de casos da Covid-19, bem como sua consolidação em regiões conectadas aos grandes centros, é o cenário estimado para as próximas semanas. “Parte desse processo já estava dentro das expectativas esperadas. A transmissão está escalonando, crescendo dentro da cidade”, confirmou o secretário de vigilância em Saúde do ministério, Wanderson de Oliveira.
A preocupação é que, no Brasil, o epicentro da disseminação do coronavírus deve coincidir com o de outras doenças sazonais, como a dengue e a influenza. “As temperaturas começam a cair e as pessoas ficam mais aglomeradas, então, o cuidado adicional é fundamental. Se nós não fizermos todos os esforços, vamos ver situações, principalmente dessas comunidades, de circulação mais intensa”, explicou.
Sinais
O aumento da procura por leitos já mostra os primeiros sinais da consolidação desse panorama. Segundo levantamento feito pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), o número de pacientes hospitalizados com síndrome respiratória aguda grave (SRAG), no Brasil, dobrou nos três primeiros meses de 2020, quando comparado ao mesmo período do ano passado. A explosão de casos, concentrada nas últimas três semanas, coincide com a chegada da Covid-19 em território nacional.
“Embora já viéssemos observando um crescimento ao longo do tempo, essa mudança muito grande nas duas últimas semanas é um forte indício de que a alta está, sim, associada ao novo coronavírus”, confirmou o pesquisador Marcelo da Costa Gomes, coordenador do InfoGripe, sistema que monitora as notificações da SRAG. Aproximadamente 10,3 mil hospitalizações por problemas respiratórios foram registradas nas últimas semanas em comparação a 3,1 mil, no ano anterior.
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Para a presidente da Fiocruz, Nísia Trindade, o contexto mostra que as preocupações com o fator idade devem se somar aos cuidados com os grupos mais vulneráveis socialmente. “Nós temos uma alta densidade populacional em condições habitacionais de muitas vulnerabilidades, como é o caso de muitas das nossas periferias e favelas em todos os centros urbanos do Brasil. Além disso, temos uma mobilidade urbana difícil, transportes lotados, uma série de questões que vão interferir no curso da epidemia”, apontou.
Nísia acredita que esses fatores têm que ser observados com mais atenção. “Pesquisas e políticas públicas terão que olhar para essa realidade tão complexa que se resume numa palavra: desigualdade. Precisamos olhar para esse fator para pensar em estratégias de solidariedade social”.
Prova de fogo
O secretário executivo, João Gabbardo, reconhece o gargalo: “A nossa grande preocupação são essas comunidades, pelo problema de acesso a saneamento, água potável e pela dificuldade de evitar aglomerações. Eles vivem e convivem em um ambiente de aglomeração, com grande chance de contaminação”.
Como estratégia para conseguir suprir a demanda das regiões mais vulneráveis, Gabbardo citou alternativas como instalação de hospitais de campanha e utilização de hotéis, estádios e navios como espaço adaptado para atender a essas pessoas, “principalmente, separar, em um ambiente com mais proteção, aquelas que forem de maior risco, até para evitar esses casos mais graves nas pessoas mais vulneráveis. Isso está sendo feito, já, no Rio de Janeiro, com algumas iniciativas”, informou.
O SUS terá a capacidade testada nas próximas semanas, prevê Gabbardo. “Vamos começar a ter casos de mais pessoas utilizando o Sistema Único de Saúde (SUS), o que vai forçar a resposta do nosso serviço. Para isso, nós ampliamos o atendimento da rede básica, contratamos mais médicos e ampliamos os horários de atendimento nas unidades saúde. Estamos implementando e antecipando todo o nosso cronograma de vacinas contra a influenza.”
O país inicia, hoje, o mês que carrega o maior desafio contemporâneo da saúde pública brasileira. É em abril que o Ministério da Saúde estima colocar em prática parte das preparações de enfrentamento ao novo coronavírus. Em um cenário de transmissão sustentada cada vez mais consolidado, os vazios assistenciais e a impossibilidade de isolamentos sociais em comunidades mais vulneráveis têm sido ponto preocupante e motivo de discussão do Gabinete de Crise contra a Covid-19.
Funcionária terceirizada da limpeza em uma Unidade de Pronto-Atendimento de Ceilândia, Sueli Fontenele, de 42 anos, precisa sair de casa, no Entorno do DF, e pegar transporte público todos os dias para ir trabalhar. Com os dois filhos fora da escola, viu-se obrigada a fazer mais uma despesa para pagar alguém para cuidar das crianças, já que ela e o marido, também terceirizado, não podem parar. “Minha casa é financiada, o ganho é pouco e, mesmo me arriscando todos os dias, agradeço por ainda ter meu emprego e comida dentro de casa. Mas o receio é muito grande”, desabafou.
Por trabalhar em um ambiente hospitalar, Sueli conhece as regras de higienização e faz de tudo para manter o vírus da porta de casa para fora. Sua preocupação, no entanto, destoa da realidade onde vive. “Aqui, as pessoas não têm acesso à infraestrutura, saneamento básico de qualidade. Muito menos à informação”. Ela acredita que, a partir do momento em que o vírus chegar à localidade, será difícil contê-lo. “As pessoas não estão cumprindo as medidas, nem têm assistência médica para toda essa gente. O jeito é ter fé porque aqui não tem isolamento social, tem, sim, esquecimento social”.
A explosão de casos da Covid-19, bem como sua consolidação em regiões conectadas aos grandes centros, é o cenário estimado para as próximas semanas. “Parte desse processo já estava dentro das expectativas esperadas. A transmissão está escalonando, crescendo dentro da cidade”, confirmou o secretário de vigilância em Saúde do ministério, Wanderson de Oliveira.
A preocupação é que, no Brasil, o epicentro da disseminação do coronavírus deve coincidir com o de outras doenças sazonais, como a dengue e a influenza. “As temperaturas começam a cair e as pessoas ficam mais aglomeradas, então, o cuidado adicional é fundamental. Se nós não fizermos todos os esforços, vamos ver situações, principalmente dessas comunidades, de circulação mais intensa”, explicou.
Sinais
O aumento da procura por leitos já mostra os primeiros sinais da consolidação desse panorama. Segundo levantamento feito pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), o número de pacientes hospitalizados com síndrome respiratória aguda grave (SRAG), no Brasil, dobrou nos três primeiros meses de 2020, quando comparado ao mesmo período do ano passado. A explosão de casos, concentrada nas últimas três semanas, coincide com a chegada da Covid-19 em território nacional.
“Embora já viéssemos observando um crescimento ao longo do tempo, essa mudança muito grande nas duas últimas semanas é um forte indício de que a alta está, sim, associada ao novo coronavírus”, confirmou o pesquisador Marcelo da Costa Gomes, coordenador do InfoGripe, sistema que monitora as notificações da SRAG. Aproximadamente 10,3 mil hospitalizações por problemas respiratórios foram registradas nas últimas semanas em comparação a 3,1 mil, no ano anterior.
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Para a presidente da Fiocruz, Nísia Trindade, o contexto mostra que as preocupações com o fator idade devem se somar aos cuidados com os grupos mais vulneráveis socialmente. “Nós temos uma alta densidade populacional em condições habitacionais de muitas vulnerabilidades, como é o caso de muitas das nossas periferias e favelas em todos os centros urbanos do Brasil. Além disso, temos uma mobilidade urbana difícil, transportes lotados, uma série de questões que vão interferir no curso da epidemia”, apontou.
Nísia acredita que esses fatores têm que ser observados com mais atenção. “Pesquisas e políticas públicas terão que olhar para essa realidade tão complexa que se resume numa palavra: desigualdade. Precisamos olhar para esse fator para pensar em estratégias de solidariedade social”.
Prova de fogo
O secretário executivo, João Gabbardo, reconhece o gargalo: “A nossa grande preocupação são essas comunidades, pelo problema de acesso a saneamento, água potável e pela dificuldade de evitar aglomerações. Eles vivem e convivem em um ambiente de aglomeração, com grande chance de contaminação”.
Como estratégia para conseguir suprir a demanda das regiões mais vulneráveis, Gabbardo citou alternativas como instalação de hospitais de campanha e utilização de hotéis, estádios e navios como espaço adaptado para atender a essas pessoas, “principalmente, separar, em um ambiente com mais proteção, aquelas que forem de maior risco, até para evitar esses casos mais graves nas pessoas mais vulneráveis. Isso está sendo feito, já, no Rio de Janeiro, com algumas iniciativas”, informou.
O SUS terá a capacidade testada nas próximas semanas, prevê Gabbardo. “Vamos começar a ter casos de mais pessoas utilizando o Sistema Único de Saúde (SUS), o que vai forçar a resposta do nosso serviço. Para isso, nós ampliamos o atendimento da rede básica, contratamos mais médicos e ampliamos os horários de atendimento nas unidades saúde. Estamos implementando e antecipando todo o nosso cronograma de vacinas contra a influenza.”
*CB
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