Imagem de vídeo em que o veterano de guerra americano defende a candidatura de Bolsonaro - Reprodução
Clint Jones não fala português nem nunca esteve no Brasil. Quase tudo que ele sabe sobre o país vem das histórias contadas por sua noiva, uma carioca criada na Zona Oeste do Rio de Janeiro e residente nos Estados Unidos há mais de oito anos, e dos vídeos postados por policiais militares em um grupo de WhatsApp administrado pelo irmão da noiva, sargento da PM do Rio. Jones, de 33 anos, é um ex-combatente do Exército americano, aposentado após ter sido gravemente ferido na explosão de uma bomba caseira no Afeganistão em 2007.
Ele mora com sua noiva em uma cidadezinha perto de Seattle, onde passa os dias cuidando do filho pequeno deles e relembrando os horrores que presenciou no campo de batalha no Afeganistão por meio de imagens da violência no Brasil compartilhadas por policiais brasileiros, às quais ele assiste na telinha de seu smartphone. “Bandidos andando desimpedidos pelas ruas das cidades, armados, fazendo a população de refém, roubando, sequestrando”, disse Jones, em inglês, durante uma longa entrevista, descrevendo o conteúdo dos vídeos que vê. “Me lembra de minha experiência em combate, do que vi no campo de batalha. Só que o que vejo nesses vídeos é pior do que o que vi na guerra, porque o Brasil não está em guerra.”Clint Jones não fala português nem nunca esteve no Brasil. Quase tudo que ele sabe sobre o país vem das histórias contadas por sua noiva, uma carioca criada na Zona Oeste do Rio de Janeiro e residente nos Estados Unidos há mais de oito anos, e dos vídeos postados por policiais militares em um grupo de WhatsApp administrado pelo irmão da noiva, sargento da PM do Rio. Jones, de 33 anos, é um ex-combatente do Exército americano, aposentado após ter sido gravemente ferido na explosão de uma bomba caseira no Afeganistão em 2007.
Mesmo de longe — e apesar de sua percepção estreita e tendenciosa da realidade brasileira —, Jones sentiu que tinha de agir. No WhatsApp, os policiais falavam muito das eleições presidenciais no Brasil em outubro e de um certo pré-candidato à Presidência que, quando entrevistado, foi o único de cujo nome Jones conseguiu se lembrar: Jair Bolsonaro. Disposto a aprender mais sobre ele, o americano passou horas nos canais oficiais e extraoficiais de apoio à candidatura presidencial de Bolsonaro no YouTube, ouvindo mensagens criadas e aprovadas por Bolsonaro e para Bolsonaro. “Ele não é um político comum”, concluiu Jones. “Ele diz o que quer e o que sente. Não tenta maquiar as coisas, o que é um alívio para pessoas que não gostam de falsos agrados.” As críticas à retórica incendiária do ex-capitão do Exército — contra gays e minorias raciais, por exemplo, e a favor do retorno da ditadura — são descartadas por Jones como “mal-entendidos”. “Bolsonaro é igualzinho ao Trump: este jeito como ele fala, as coisas sobre as quais ele fala — apoio à polícia e às forças militares; direito ao porte de armas; Deus, família e país, que são princípios nos quais acredito”, disse Jones. Ele que não votou em Trump na eleição presidencial americana de 2016, mas se tornou seguidor.
Foi nesse espírito que Jones, veterano de guerra americano, tornou-se Jones, estrela viral nas mídias sociais brasileiras, exatamente onde Bolsonaro está apostando seu sucesso nas eleições. Numa manhã de junho, enquanto treinava a mira num campo de tiros perto de casa, Jones resolveu enviar uma mensagem apoiando Bolsonaro aos policiais inscritos no grupo de WhatsApp do qual faz parte.
Com uma espingarda semiautomática de calibre 12 nas mãos, um emblema da bandeira dos Estados Unidos costurado em seu colete à prova de balas e um amigo segurando um fuzil AR-15 a seu lado, Jones saúda os “patriotas brasileiros” e professa seu apoio a Bolsonaro e a um candidato a deputado federal pelo PSL — o partido de Bolsonaro — chamado Gurgel Soares, que, como o irmão de sua noiva, é sargento da PM do Rio. Ele fecha o vídeo com a seguinte mensagem: “Acreditamos que todo homem, mulher e criança têm o direito, dado por Deus, de se defender contra inimigos estrangeiros e domésticos com armas. Bolsonaro presidente!”.
Logo o vídeo foi se espalhando, passando de um grupo de WhatsApp a outro e aparecendo em páginas do Facebook de gente que Jones não apenas não conhece como também nunca ouviu falar. Um homem comentou: “Até o Exército americano está apoiando Bolsonaro”, uma interpretação errônea que ninguém corrigiu ou contestou. O vídeo inspirou o que o irmão de sua noiva, o sargento Alexandre dos Anjos, descreveu como “o efeito Clint”. Logo pipocaram vídeos com mensagens semelhantes, gravados por um policial americano e um soldado chileno. O depoimento de Jones gerou até um agradecimento de um dos filhos de Jair, o deputado estadual Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), arquiconservador como o pai. “O Bolsonaro surge como um resgate dos valores, um resgate da família, uma valorização das forças de segurança pública, uma valorização das forças policiais”, disse o sargento Dos Anjos, que é também coordenador de campanha do sargento Gurgel Soares. Para Dos Anjos, Bolsonaro tem munição política “para uma revolução”.
Com uma campanha construída quase inteiramente nas mídias sociais, Bolsonaro controla não só sua imagem e mensagem, como também cria um universo paralelo entre seus simpatizantes. Nele, Bolsonaro filtra e empacota o que vão ouvir — sobre a corrupção, a criminalidade, o histórico político de seus rivais e sua própria história — de acordo com quem quer atingir. Em suas várias versões, Bolsonaro é o cristão batizado por um pastor da Assembleia de Deus em Israel, é o nacionalista que denuncia a influência da China na economia do país, o militarista que promete a pena de morte para traficantes e o fim do controle de armas e o direitista que declara guerra à “ditadura do politicamente correto”, um termo visto como guarda-chuva para várias ideias de esquerda.
São praticamente os mesmos alvos de Trump, que trocou a tradição e a estrutura de campanha do Partido Republicano pela espontaneidade e pelo improviso das redes sociais, onde ele pôde fragmentar sua mensagem e vender cada pedaço para grupos específicos de eleitores, de acordo com os interesses de cada um. Guilherme Casarões, professor de ciência política da Fundação Getulio Vargas em São Paulo, ressaltou que, além dessa segmentação, Trump adotou um tom em suas mensagens que foi muito diferente daquilo que se esperava de um presidenciável.
O candidato à Presidência Jair Bolsonaro durante ato de campanha na Zona Norte do Rio de Janeiro - Marcos Ramos / Agência O Globo
“O Bolsonaro segue uma estratégia parecida, parte por suas próprias convicções, parte em função de percepções que ele teve sobre a candidatura do Trump”, disse Casarões. Isso o faz bem diferente de seus possíveis adversários. Enquanto os vídeos de Ciro Gomes o mostram falando em palestras em universidades ou em entrevistas que deu na televisão, os vídeos de Bolsonaro são no estilo selfie, nos quais ele fala diretamente com o eleitor e, em geral, sobre um tema polêmico. “Ele abusa dos vídeos, o que as redes sociais e plataformas virtuais permitem muito. A mensagem dele é direta para o eleitor, como se ele estivesse realmente conversando a respeito de um tema com o qual o eleitor vai se identificar”, disse Casarões.
Para Jones, o ex-combatente americano, a violência e a banalização da vida do outro se tornaram um ponto instantâneo de identificação e ultraje. Ele nasceu em um hospital militar no Alabama — seus pais não tinham seguro de saúde nem dinheiro para pagar o parto em um hospital particular — e cresceu em Pensacola, na Flórida, onde aprendeu com os recrutas na base aeronaval da cidade que uma carreira nas Forças Armadas poderia lhe trazer a estabilidade econômica e o sentido de comunidade que sempre almejara. Ele se alistou no Exército americano no dia 11 de setembro de 2006, movido pelo desejo de servir seu país e ver o mundo.
Jones conheceu sua noiva, Aline, dez anos mais tarde, em um churrasco na casa de um amigo comum no estado de Washington. Criado na Igreja Batista, gostou do fato de Aline ser cristã — ela tem a palavra “Jesus” tatuada em seu antebraço esquerdo — e amar os Estados Unidos, para onde se mudou a fim de escapar da dura realidade em Campo Grande, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, uma das regiões mais perigosas da cidade. “O único jeito de resolver essa situação é fazer com que as pessoas entendam que há policiais que recebem um salário medíocre e arriscam suas vidas todos os dias para proteger estranhos”, disse Jones. “Mas os policiais morrem e ninguém parece se importar.”
O irmão de Aline, o sargento Dos Anjos, entende. Ele se lembra de quando a Polícia Militar do Rio entrou em greve em 2010 para reivindicar melhores salários, equipamentos e condições de trabalho. A paralisação prejudicou a própria população. “Mudamos de tática”, afirmou o sargento. “Nos demos conta de que a melhor maneira de lutar por nós mesmos era buscar a representação política.”
“E é aí”, disse Dos Anjos, “que entra o Bolsonaro.”
(Epoca)
Nenhum comentário:
Postar um comentário